Clóvis Silveira Júnior, diretor do Serviço de Gerência de Urgência e Emergência

Trabalhar no enfrentamento da Covid-19 foi interessante, desafiador e motivador, porque tivemos de mudar toda a lógica de atendimento que tínhamos no Pronto-Socorro (PS) até aquele momento, março de 2020. Antes da pandemia, trabalhávamos exclusivamente com a classificação de risco. Com essa crise sanitária, tivemos que adaptar o sistema de assistência. Passamos a usar o conceito de equidade.

Os pacientes que têm risco de complicação precisavam ser atendidos primeiro, isso era o que estava vigente e que já era um grande avanço. Com a pandemia, precisamos mudar essa lógica e começamos a separar os atendimentos por quadros respiratórios. Então, os pacientes que têm algum sintoma respiratório, ainda que não tenham o diagnóstico de Covid-19, são atendidos no Gripário e os demais pacientes sem sintomas respiratórios são atendidos no Pronto-Socorro de especialidades. Isso parece uma coisa simples, mas precisou vir acompanhado de toda uma engenharia de gestão porque no Gripário, além dos pacientes que eram elegíveis para Covid-19, atendíamos pacientes asmáticos e com outras queixas respiratórias que não eram condizentes com os sintomas do novo coronavírus. Para os colaboradores que já estavam acostumados a trabalhar em outra lógica foi complicado. O maior desafio foi a mudança do processo de trabalho.

O segundo desafio foi vencer o medo, principalmente no primeiro e no segundo mês em que estávamos todos com aquele pânico para atender os casos da Covid-19. Ninguém sabia ao certo qual era o grau de letalidade e complicação da doença. Foi fundamental resgatar em cada profissional que estava atendendo o porquê trabalhamos na área da Saúde: que é ajudar o próximo. A pandemia deu mais garra aos nossos profissionais.

O legado que essa pandemia nos deixa é de que existem outras formas de trabalharmos no atendimento de urgência do Pronto-Socorro. Além da classificação de risco, existem outras possibilidades que são complementares. Isso nos mostrou que podemos sempre reinventar modelos gerenciais de trabalho, de acordo com a expectativa do paciente e das medidas sanitárias do momento. Provavelmente a dinâmica do PS, mesmo após a pandemia, não será mais a mesma. Talvez seja necessário um ambiente para criar um mini-Gripário para atender esses surtos que acontecem de tempos em tempos, ou grandes surtos, como os da dengue. Se houve algo de positivo nessa crise foi nos tirar dessa zona de conforto, para que pudéssemos ser mais dinâmicos, ágeis e flexíveis na forma de gestão e de modelos de trabalho.

A mensagem que fica é: porque trabalhar na Saúde? Hoje em dia temos uma demanda mercantilista e muitos médicos se formam com essa perspectiva. Porém, o mais importante é colocar a alma nisso e saber que quem trabalha na área tem algo especial para oferecer. É o diferencial em relação às outras profissões. É querer ajudar o próximo, é abrir mão de outras questões em prol do coletivo.

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