Ederlon Rezende, diretor do Serviço de Terapia Intensiva

O Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE)como um todo se preparou para o enfrentamento da pandemia e na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) não foi diferente. Nossa maior preocupação era enfrentar o aumento da demanda sem colapsar, ou seja, não dispor de leitos suficientes para receber os pacientes.

Para que isso fosse possível nos organizamos de algumas formas: a primeira delas foi aumentar o número de leitos de UTI, porque no hospital já tínhamos um número considerável e conseguimos chegar a80 leitos para pacientes com Covid-19. Depois, definimos os critérios para quem deveria ter assistência na unidade intensiva, aqueles mais graves e que necessitavam de ventilação mecânica.

Durante esse período, mais de 600 pacientes foram atendidos —  desses,520 com confirmação para Covid-19. Esse número representa mais pacientes no Hospital do que em países como o Uruguai e a Nova Zelândia, por exemplo. Outra característica é que o HSPE atende majoritariamente idosos e pacientes com comorbidades, os quais acabam evoluindo para casos mais graves da doença. Porém, atendemos pacientes graves em estado crítico de todas as idades, de 18 anos e 91 anos.

Para os pacientes que necessitaram de ventilação mecânica, a mortalidade hospitalar aqui no HSPE foi de 59% - a taxa do Brasil é de 65% para esses pacientes e nos Estados Unidos de70,5%. Infelizmente, no subgrupo de pacientes que oferecemos assistência a mortalidade é alta mesmo em razão da gravidade da doença em seus organismos. Friso aqui que a mortalidade está menor do que o esperado e, quando comparamos com outras UTIs do Brasil, fazemos o ajuste da mortalidade com a gravidade, conseguimos ver com mais clareza como nossos resultados são bons.

O grande desafio para ter mais leitos não é só o espaço físico e equipamentos, mas, sim, ter uma equipe treinada para atender essa demanda. Os resultados que tivemos foram em virtude da qualidade do processo e da performance do nosso time de profissionais da saúde. Tem uma manobra que fazemos em pacientes graves que é a posição prona, que consiste em colocar a pessoa de bruços. Treinamos essa técnica exaustivamente antes de chegar o primeiro paciente. Fizemos 1.400 manobras e não tivemos nenhuma complicação, são cinco pessoas trabalhando de forma simultânea e com absoluta segurança.

Como ainda não existe um tratamento específico para a Covid-19, a UTI teve uma vantagem, pois as medidas são feitas há muitos anos de forma segura, seguindo os guide lines (guia de linhas de tratamento, em tradução livre) internacionais. Então, os esforços foram investidos no incremento progressivo no número de leitos, até chegar aos 80, conforme conseguíamos treinar mais gente. Alguns membros da equipe que não trabalhavam na terapia intensiva foram treinados e absorvidos para integrar o time, assim conseguimos aumentar o número de vagas na UTI, porque tínhamos mais profissionais preparados para atender pacientes graves.

A equipe precisa estar bem entrosada, treinada e motivada, porque é uma sobrecarga de trabalho muito grande. As pessoas foram exigidas ao extremo ao longo desse período de pandemia. E manter a motivação não foi uma tarefa muito simples. Foi preciso estabelecer uma comunicação aberta, transparente, mostrando os resultados e os problemas. Comemorávamos cada volta para casa dos pacientes que saíam da UTI, que por muitas vezes ficavam longos períodos no Hospital. Esse momento de alta era carregado de emoção, mostrávamos um resumo de como foi o processo de tratamento, às vezes com retrospectiva em vídeo para conscientizar e mostrar a importância do nosso trabalho.

Essa pandemia também nos fez vivenciar histórias muito tristes e outras com final feliz, com o desafio dos doentes estarem longe das famílias. Por questões sanitárias, os doentes ficavam longe de seus familiares para evitar que eles fossem contaminados com o novo coronavírus. O contato era feito por telefone e tivemos um grupo de apoio importante que deu suporte para a equipe de terapia intensiva. Enfrentamos situações muito difíceis, não tem como não se solidarizar com o drama de famílias que perderam pais e filhos, marido e mulher. Como se trata de uma doença infectocontagiosa, tivemos de lidar com isso.

Outro momento difícil foi tratar nossos colegas de profissão que estavam na linha de frente e eventualmente se contaminaram no enfrentamento da doença. Não é fácil! De maneira geral e comparado a outros cenários, tivemos um número bem pequeno de colaboradores infectados e isso foi importante para nós.

O desafio foi intenso. Em mais de 30 anos de especialidade, nunca vivi uma carga emocional tão grande como essa, as horas de trabalho foi o menor problema durante esse enfrentamento. Nossa equipe sai dessa muito maior do que entrou, todos orgulhosos e com o sentimento de dever cumprido. Tenho muito orgulho e estima por essa equipe, pelo time de profissionais que trabalho, todos atenderam às solicitações, cumpriram as tarefas com determinação, bom-humor, garra e competência. Eles estão diretamente ligados ao sucesso que tivemos.

Não queremos ser heróis, só queremos ter esse sentimento de dever cumprido, que faz parte do nosso juramento.

Governo do Estado de SP